segunda-feira, 14 de maio de 2012

DEUS DIANTE DO MAL: SENTIDO OU ORIGEM?



            Acredita-se que a questão mais inquietante para o ser humano é o mal. Todo e qualquer ser humano busca sua origem e vive uma revolta constante em relação a sua vivência na concretude de seu dia-a-dia. Diante desse fato, pretende-se entrar numa das questões que mais incomoda os crentes judaico-cristãos: “Se Deus é infinitamente bom e amoroso e ainda é onipotente, por que o mal e o sofrimento?”. Será de suma importância analisar essa questão, pois nela há a possibilidade de duas interpretações diferentes. E partindo de tal análise poderemos apontar as suas duas possíveis apreciações e/ou respostas.
            Na questão existe a união da preposição “por” e do pronome interrogativo “que” (por que). Esta forma dá possibilidade duas interpretações para a pergunta mencionada. Numa primeira interpretação poder-se-ia estar buscando o sentido do mal, o “para que” do mal; já numa segunda interpretação poder-se-ia estar buscando a origem, a razão, o motivo (as duas últimas, num sentido de causa) da existência do mal. Isto é, na primeira proposta há uma busca do sentido que a questão do mal assume diante da presença bondosa-onipotente de Deus, já na segunda possibilidade há um questionamento sobre a origem e princípio do mal, pois o Deus judaico-cristão é considerado o Criador de todas as coisas, pelas mesmas religiões (cf. sobre o “por que” PASQUALE & ULISSES, 2003, p.529-530).
            Em se tratando da primeira questão o ser humano se depara com a bondade amorosa de Deus e com sua onipotência e se pergunta o sentido do seu padecimento e do mal. Diante de tal questão, aponta-se que o ser humano foi feito para felicidade e não para o mal, porém, o mal existe. Numa primeira proposta encontrar-se-ia a resposta de que é conseqüência dos erros humanos, pois o ser humano é dotado de uma vontade livre[1] e diante de suas ações livres, pode ter que padecer os sofrimentos e mal, pelo motivo de suas más deliberações. O sofrimento aqui “serve à conversão, isto é, à reconstrução do bem no sujeito, que por reconhecer a misericórdia divina neste chamamento à penitência” (JOÃO PAULO II, 2009, p.21).
            Entretanto o questionamento continuaria em relação às pessoas boas/justas que têm de padecer os sofrimentos e dores – muitas vezes até mais intensos. Quanto a isso, Dom Luciano Mendes de Almeida em seu livro Paixão pela Vida: Resposta ao Sofrimento Humano, afirma que:
todos aqueles que estão perdoados e cujo coração está em Deus continuam assumindo o sofrimento humano, que não lhes é mais devido. Sabem que são ‘amados por Deus’, mas ficam na dureza da vida, no mundo, por causa dos irmãos [...] a lei para os que já estão remidos é: ficar aí, no mundo... (ALMEIDA, p.23-24)
Para Dom Luciano e também para o papa João Paulo II, em sua carta apostólica salvifici doloris, o ser humano justo e bom padece os sofrimentos em solidariedade e amor para com os outros. Seguem o exemplo de Deus, que assume por amor a humanidade e vive todos os sofrimentos até o maior deles, a morte: “O sofrimento humano atingiu o seu vértice na paixão de Cristo; e, ao mesmo tempo, revestiu-se de uma dimensão completamente nova e entrou numa ordem nova: ele foi associado ao amor...” (João Paulo II, 2009, p.35).
            Ressalta-se que o sofrimento não pode ser assumido como uma forma passiva, onde as pessoas – justas ou não – apenas recebem a dor e não reagem. O homem é chamado, seja cristão ou não, a assumir “a atitude de revolta e de incessante combate contra o mal e o sofrimento” (DEUS E O PROBLEMA DO MAL, p. 141), mas essa atitude de revolta e de combate deve se fundar de fato nas duas certezas: 1) o homem é feito para a felicidade, e Deus não quer nunca o mal nem o sofrimento; 2) aparentemente impotente diante do mal, Deus é, contudo, solidário com os homens em seu sofrimento.[2]
            Surgem, então, a segunda pergunta, onde se questiona (adaptação da pergunta): “se Deus é o onipotente e bom, donde vem o mal?”.
            Ora, existem algumas respostas sobre essa questão, porém nenhuma consegue chegar a um consenso e única resposta convincente[3]. Diante desse questionamento, o fator Deus bom-onipotente se depara com a maior dificuldade encontrada para o estudo da questão do mal e do sofrimento. Se há uma origem para o bem do ser humano, há também uma origem para o mal, pois o mal é sempre evocado como anulação do bem[4]. Então a pergunta continua sem resposta, pois Deus é a origem do bem, é capaz de fazer tudo e o fez para o judaísmo e o Cristianismo, porém o mal não é um bem e está ai, na existência: “Deus é onipotente; Deus é absolutamente bom; no entanto, o mal existe (enquanto) apenas duas dessas declarações são compatíveis, mas jamais as três juntas.” (RICOEUR apud DEUS E O PROBLEMA DO MAL, p.124).
            Portanto, ao tratar de uma das questões mais fundamentais do ser humano, o Mal, tem-se o chamado a levar em consideração toda a perspectiva do mal e do sofrimento, desde sua interpretação e assimilação de sentido até as suas origens e fundamentos de existência. Esta última questão talvez seja o maior incômodo encontrado pelo ser humano judaíco-cristão, visto que ele acredita em um Deus bom e onipotente que tem a possibilidade de ser o criador do mal, que tanto atormenta o ser humano.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:
  • ALMEIDA, Dom Luciano M. de. Paixão pela Vida: Resposta ao Sofrimento Humano. Osasco: Assessoria de Animação Apostólica.
  • AGOSTINHO, Santo. O livre-arbítrio. São Paulo: Paulus, 1995.
  • DEUS E O PROBLEMA DO MAL, texto entregue em sala, p. 122-174.
  • JOÃO PAULO II. Salvifici Doloris: O sentido Cristão do sofrimento humano. 11. ed. São Paulo: Paulinas, 2009. Carta Apostólica.
  • PASQUALE & ULISSES. Gramática da Língua Portuguesa. 2. ed. São Paulo: Scipione, 2003.


[1] Ter a vontade livre é um bem dado por Deus ao ser humano. Segundo Santo Agostinho de Hipona, se o ser humano não recebesse a vontade livre não seria possível agir bem. Cf. AGOSTINHO, Santo, 1995, II, 1,3.
[2] Cf. DEUS E O PROBLEMA DO MAL, p. 141.
[3] A proposta de Heráclito é que “bem e mal são uma só coisa” e só se opõe bem e mal, em razão da visão estreita e parcial do humano. Já Leibniz propõe que se o mal existe, é pelo fato de Deus não podia criar um mundo perfeito. Santo Agostinho lembra que o mal é não-ser e o mal moral e físico são conseqüência do pecado. O sofrimento dos justos é conseqüência do pecado original. Para as duas primeiras propostas, aponta-se que são ineficazes para inocentar Deus, como também são “literalmente escandalosas” diante do sofrimento concreto que o mal provoca. O mal é sempre mal e não se pode justificá-lo. Já quanto a proposta agostiniana, poder-se-ia questionar sobre o sofrimento antes da proposta do pecado original e também sobre sofrimento natural, que não é conseqüência de nenhum pecado.
[4] Cf. Idem, p.126.

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